O design não é linear. Como Newton lidaria?

Luiz Arthur Nascimento
5 min readMar 7, 2023

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Newton é um dos maiores cientistas de todos os tempos. Newton descreveu as leis do movimento, da gravitação e, entre outros temas, contribuiu para o desenvolvimento do cálculo infinitesimal.

Se colocarmos o dobro de gasolina no tanque do carro, ele vai fazer mais ou menos o dobro da distância. Chamamos essa relação direta e proporcional de linear. Dizemos que um sistema é linear quando ele responde de forma proporcional aos estímulos que damos a ele: se damos mais estímulo, mais resposta teremos de volta.

Agora o exemplo oposto: um time de quarenta pessoas pesquisadoras não necessariamente entrega quatro vezes mais valor que um time de dez pessoas. Isso porque o valor entregue por um time não depende apenas da quantidade de pessoas, mas de muitas outras variáveis — inclusive a relação entre as pessoas do próprio time.

Chamamos esse tipo de sistema de não-linear.

O mesmo acontece quando estamos fazendo o design de um produto: o produto sempre é composto por partes menores que interagem entre si. Além disso, os produtos e serviços que projetamos também são apenas uma parte de outros sistemas ainda mais complexos.

Por exemplo, um aplicativo de e-commerce faz parte de um conjunto de canais de venda de uma loja, que faz parte da economia local de lojas, que envolve fornecedores e outros aplicativos — dá até uma certa ansiedade.

Será que eu levei tudo em consideração? Será que tem um caso de uso que eu não previ?

Em 2006, o designer Aza Raskin projetou a interação que hoje conhecemos como scroll infinito. Na época, ele nem imaginava qual o impacto que o design dessa interação causaria na vida das pessoas, especialmente se tratando de redes sociais. Depois do que se sucedeu, Aza fundou o Center for Humane Technology. Aza dá um depoimento muito interessante no episódio sobre design de produto na série documental Abstract.

Para o hábito de usar o scroll infinito que gera hiperinformação, dá-se o nome de doomscrolling.

Como lidar com as não-linearidades que são intrínsecas aos produtos e serviços que projetamos e que vamos seguir projetando daqui para frente?

Não tem uma fórmula. Daqui pra frente, ficará cada vez mais difícil prever a resposta que um produto — entendido como um sistema não-linear — vai dar a um estímulo, principalmente se tratando de produtos que têm um público muito grande. Recentemente o Twitter, sob o comando de Elon Musk, implementou um novo selo de verificação em algumas contas. O que foi projetado para ser uma medida de segurança acabou dando respostas inesperadas e chegou a custar um prejuízo bilionário para a empresa farmacêutica produtora de insulina Eli Lilly.

Mas a não-linearidade não é um problema novo para a matemática.

Lá nos anos 1600, Isaac Newton já se debruçava sobre o problema da não-linearidade e desenvolveu uma série de ferramentas de cálculo numérico que são capazes de encontrar — ou pelo menos estimar — a solução de sistemas não-lineares, ou seja, entender como eles se comportam e como trabalhar com eles.

É tudo muito matemático e pode parecer abstrato para quem nunca teve contato, mas vale dizer que essas ferramentas nos ajudaram a evoluir muito a tecnologia a que temos acesso no dia a dia. A partir dos estudos dessas equações é possível explicar, por exemplo, porque a combinação de dois ruídos pode resultar no silêncio, como nos fones de cancelamento de ruído.

Parênteses: para quem tem curiosidade sobre a parte matemática da coisa, vou deixar recomendado minha dissertação de mestrado.

O método que o Newton propôs para resolver esse tipo de sistema é simples e já bastante conhecido de designers: iterar!

Não vou entrar na matemática do negócio, mas a ideia do Newton foi assumir que um sistema não-linear pode se comportar de forma linear se você olhar ele bem de perto. A partir disso, damos um chute e calculamos o quanto o resultado desse chute está próximo do resultado esperado. A partir dessa diferença, iteramos.

É iterativo mesmo: inventaram até o conceito de critérios de parada, para ajudar a calcular quando podemos parar de iterar — sabendo que sempre vai existir uma diferença, mesmo que mínima, entre a expectativa e a realidade.

Trazendo para o mundo do design: independente do nível de conhecimento que nós temos sobre os sistemas que projetamos — seja conhecimento dos usuários, da tecnologia ou do negócio — nunca vamos ter certeza absoluta dos resultados que nossos produtos terão no mundo real. Para mitigar os riscos, fazemos pesquisa. Mas sempre haverá algum grau de incerteza na tomada de decisão em design.

Para Newton, não é porque não sabemos todas as informações de como um sistema funciona que não podemos resolvê-lo. Ele nos mostra que a melhor solução é uma consequência de outras soluções não tão boas assim.

Em um mundo cada vez mais conectado, com novas técnicas e tecnologias surgindo o tempo todo, é uma tarefa de designers propor soluções que se encaixem e que funcionem nessa intensa rede de sistemas em que estamos imersos. E isso pode ser aterrorizante para muitos de nós.

Como eu vou saber se eu fiz certo? Como eu vou saber quem é o usuário do meu produto?

Daqui para frente, acredito que o designer deve reconhecer cada vez mais a complexidade do contexto que seus produtos ocupam. Reconhecer que perguntas como “quem é nosso usuário?” são perguntas ruins de serem feitas e que só são respondidas de forma iterativa, combinando teoria e prática.

Não basta projetar e lançar. O design de produto cada vez menos acaba com um arquivo do Figma bem nomeado, com um handoff organizado ou com uma boa apresentação de demo do produto. Vamos ter que tomar decisões desconfortáveis, sabendo que sempre haverá emergências inesperadas e que isso não deve nos congelar de agir. Isso deve ser um combustível para a iteração!

Escrevi esse texto para o projeto Design 2023, que infelizmente não foi publicado e, por isso, resolvi compartilhar aqui pelo Medium.

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